Sylvia Day
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Sep 4, 2012  •  Companhia das Letras  •  9788565530118

Portuguese Excerpt

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Capítulo 1

“A gente devia ir até um bar comemorar.”

A declaração enfática de meu amigo Cary Taylor, com quem eu dividia um apartamento, não foi nada surpreendente. Ele estava sempre disposto a comemorar, mesmo as coisas mais insignificantes. Sempre considerei isso parte de seu charme.

“Sair pra beber um dia antes de começar num emprego novo com certeza não é uma boa ideia.”

“Vamos lá, Eva.”

Cary sentou no chão da sala do nosso novo apartamento, em meio à bagunça da mudança, e abriu seu sorriso irresistível. Fazia dias que só cuidávamos da arrumação, e ainda assim ele estava lindo. Com seu corpo esguio, cabelos escuros e olhos verdes, Cary era o tipo de homem cuja aparência, quaisquer que fossem as circunstâncias, raramente era algo menos do que incrível. Isso me deixaria com raiva, se ele não fosse a pessoa que eu mais adorava no mundo.

“Não estou dizendo pra gente encher a cara”, ele insistiu. “Só uma ou duas tacinhas de vinho. A gente pega o happy hour e volta pra casa lá pelas oito.”

“Não sei se vou ter tempo.” Apontei para minha calça de ioga e meu top de ginástica. “Depois que eu cronometrar a caminhada até o trabalho, vou pra academia.”

“É só andar depressa e malhar mais depressa.” A expressão de Cary, com as sobrancelhas cuidadosamente curvadas em um arco perfeito, me fez rir. Nunca perdi a esperança de que seu rosto incrível aparecesse um dia em outdoors e revistas de moda do mundo inteiro. Qualquer que fosse sua expressão, ele era um arraso.

“Que tal amanhã, depois do trabalho?”, ofereci em troca. “Se eu conseguir sobreviver ao primeiro dia, aí sim vamos ter o que comemorar.”

“Combinado. Hoje vou estrear a cozinha nova fazendo o jantar.”

“Hã...” Cozinhar era um dos prazeres de Cary, mas não um de seus talentos. “Legal.”

Afastando uma mecha de cabelo que caíra sobre seu rosto, ele me olhou com um sorriso.

“A gente tem uma cozinha de fazer inveja à maioria dos restaurantes. Não tem erro ali.”

Não muito convencida, eu me despedi com um aceno, decidida a me esquivar da conversa sobre a cozinha. Desci para o térreo de elevador e sorri para o porteiro quando ele abriu a porta pra mim.

Assim que pus o pé para fora, fui envolvida pelos aromas e ruídos de Manhattan, que me convidavam a sair e explorar. Eu não estava apenas do outro lado do país em relação à minha antiga casa em San Diego — parecia estar em outro mundo. Duas metrópoles importantes — uma infinitamente amena e sensualmente preguiçosa, a outra pulsando como um organismo vivo carregado de uma energia frenética. Nos meus sonhos, eu me imaginava em um pequeno e charmoso prédio no Brooklyn, mas, por ser uma boa menina, acabei no Upper West Side. Se não fosse o Cary, eu estaria completamente sozinha em um apartamento enorme que custa por mês mais do que a maioria das pessoas ganha em um ano.

Paul, o outro porteiro me cumprimentou tirando o quepe.

“Boa noite, senhorita Tramell. Vai precisar de um táxi esta noite?”

“Não, obrigada, Paul.” Bati no chão com os amortecedores do meu tênis de ginástica. “Vou sair pra caminhar.”

Ele sorriu. “Esfriou um pouquinho agora no fim da tarde. O tempo está gostoso.”

“Me disseram pra aproveitar o mês de junho, antes que comece o calor de verdade.”

“Um ótimo conselho, senhorita Tramell.”

Ao me afastar da fachada envidraçada e moderna que de alguma forma não destoava da idade do edifício e da vizinhança, desfrutei da relativa tranquilidade da rua arborizada antes de chegar à agitação e ao trânsito intenso da Broadway. Eu ainda tinha esperanças de me adaptar rapidamente, mas por enquanto me sentia uma falsa nova-iorquina. Eu tinha um apartamento e um emprego, mas ainda não me sentia segura o bastante para me aventurar no metrô, e não tinha me acostumado a acenar ostensivamente para os táxis. Enquanto caminhava, eu tentava não parecer impressionada e atônita, mas era difícil. Havia tanta coisa para ver e experimentar.

O estímulo sensorial era atordoante — o cheiro da fumaça dos escapamentos misturado com o da comida dos carrinhos dos ambulantes; os gritos dos camelôs se infiltrando na música dos artistas de rua; a impressionante variedade de rostos, estilos e sotaques; as maravilhas arquitetônicas... E os carros. Minha nossa. O fluxo frenético de carros, sempre grudados uns nos outros, era algo que eu nunca tinha visto na vida.

Havia sempre uma ambulância, uma viatura ou um caminhão de bombeiros tentando romper a torrente de táxis amarelos com o uivo eletrônico de sirenes ensurdecedoras. Fiquei impressionada com os ruidosos caminhões de lixo que se arremessavam em ruas estreitas de mão única e com os entregadores que encaravam a massa compacta de veículos, com prazos rigorosos a cumprir.

Os verdadeiros nova-iorquinos nem reparavam em tudo isso — a cidade para eles era familiar e confortável como um velho par de sapatos. Eles não viam as ondas de vapor escapando dos bueiros e saídas de ar com um encanto carregado de romantismo, nem pareciam notar quando o chão tremia sob seus pés com a passagem do metrô — ao contrário de mim, que sorria como uma idiota e encolhia os dedos do pé. Nova York era um caso de amor totalmente novo para mim. Eu estava embasbacada e não conseguia esconder.

Tive que me esforçar bastante para manter uma atitude indiferente enquanto me dirigia ao local em que ia trabalhar. Pelo menos em termos profissionais, as coisas estavam acontecendo da maneira como eu queria. Meu desejo era ganhar a vida com base em meus próprios méritos, o que significava começar por baixo. A partir da manhã seguinte, eu seria a assistente de Mark Garrity na Waters Field & Leaman, uma das maiores agências de propaganda dos Estados Unidos. Meu padrasto, o magnata do setor financeiro Richard Stanton, não gostou nada da ideia — na opinião dele, se eu fosse menos orgulhosa, poderia trabalhar para algum amigo dele e colher os benefícios inerentes a esse tipo de proximidade.

“Você é teimosa como seu pai”, ele falou. “Ele vai demorar a vida inteira para conseguir pagar seu financiamento estudantil com o que ganha como policial.”

Esse foi outro motivo de disputa, e meu pai se recusou terminantemente a ceder. “De jeito nenhum outro homem vai pagar pela educação da minha filha”, respondeu Victor Reyes quando Stanton fez sua proposta. Ele ganhou meu respeito com essa atitude. E acho que o de Stanton também, embora ele nunca vá admitir isso. Eu entendia o lado dos dois, porque queria pagar eu mesma pelos meus estudos... mas não teve jeito. Para meu pai, era uma questão de honra. Minha mãe não quis se casar com ele, mas isso não diminuiu sua determinação em agir como pai em toda e qualquer situação.

Como remoer frustrações do passado nunca leva a nada, concentrei-me na tarefa de chegar ao trabalho o mais rápido possível. Decidi cronometrar o trajeto em um horário de pico de uma segunda-feira, e fiquei satisfeita por conseguir chegar ao Crossfire Building, sede da Waters Field & Leaman, em menos de meia hora.

Inclinei a cabeça e segui o contorno do edifício até encontrar o azul do céu. O Crossfire era absolutamente fenomenal — uma torre imponente com um brilho safírico que parecia chegar até as nuvens. Nas entrevistas que fiz ali, vi que o outro lado das portas giratórias ornadas com cobre era tão suntuoso quanto seu exterior, com piso e paredes revestidos de mármore dourado e mesas e catracas de alumínio polido.

Tirei meu novíssimo crachá do bolso da calça e mostrei para os dois seguranças de terno escuro sentados à mesa. Eles me barraram assim mesmo, sem dúvida por eu estar muito malvestida para aquele ambiente, mas depois me deixaram entrar. Depois de subir os vinte andares de elevador, pude fazer uma estimativa do tempo de viagem de casa até o trabalho. Nada mau.

Eu estava saindo do elevador quando vi uma morena bonita e muito bem arrumada passar pela catraca sem levantar devidamente a bolsa, que ficou enroscada e se abriu, provocando um dilúvio de dinheiro sobre o chão. As moedas caíram e saíram rolando alegremente — e as pessoas que passavam se esquivavam do caos e seguiam em frente como se nada estivesse acontecendo. Em um gesto de compaixão, eu me curvei para ajudá-la a recolher o dinheiro, junto com um segurança que havia tido o mesmo impulso.

“Obrigada”, ela disse, abrindo um breve sorriso no rosto quase coberto pelos cabelos.

Retribuí o sorriso. “Imagina. Essas coisas acontecem.”

Eu tinha acabado de me agachar para alcançar uma moedinha que tinha ido parar perto da entrada quando dei de cara com um luxuoso par de sapatos oxford, encimado por uma elegante calça preta. Esperei um pouco para que aquele homem saísse do caminho, mas, como ele não se mexia, levantei a cabeça para ampliar meu campo de visão. O terno feito sob medida já era suficiente para deixar meus sinais de alerta ligados, mas era o corpo alto e esguio por baixo dele que o tornava sensacional. Ainda assim, apesar de toda aquela demonstração impressionante de masculinidade, foi só quando vi seu rosto que percebi o que havia de fato diante de mim.

Uau. Simplesmente... uau.

Em um gesto cheio de elegância, ele se agachou bem de frente para mim. Com toda aquela beleza masculina ao alcance dos meus olhos, tudo o que eu podia fazer era encarar. Admirada.

Foi então que o espaço que havia entre nós desapareceu.

Ao olhar para mim, ele mudou... como se um escudo tivesse sido removido de seus olhos, revelando uma força vital esmagadora que me fez perder o fôlego. O magnetismo poderoso que ele exalava se intensificou, transformando-se em uma impressão quase tangível de uma energia vigorosa e inesgotável.

Reagindo puramente por instinto, eu me inclinei para trás. E caí de bunda no chão.

Meus cotovelos latejavam violentamente pelo baque contra o piso de mármore, mas a dor passou quase despercebida. Eu estava mais preocupada em olhar, hipnotizada por aquele homem na minha frente. Seus cabelos de um preto bem vivo emolduravam um rosto de tirar o fôlego. Sua estrutura óssea faria um escultor chorar de alegria, e sua boca de contornos firmes, seu nariz retilíneo e seus olhos azuis intensos lhe conferiam uma beleza selvagem. A não ser pelos olhos ligeiramente estreitados, sua fisionomia denotava uma impassibilidade total.

Tanto sua camisa como seu terno eram pretos, mas a gravata combinava perfeitamente com o brilho da íris. Seus olhos eram penetrantes e inquisidores, e estavam pregados em mim. Meu coração começou a bater mais forte; meus lábios se abriram parcialmente com a aceleração da respiração. Seu cheiro era tentador. Não era colônia. Loção corporal, talvez. Ou xampu. O que quer que fosse, era inebriante, assim como ele.

Ele estendeu a mão para mim, mostrando suas abotoaduras de ônix e um relógio que aparentava ser caro.

Inspirando tremulamente, pus a mão sobre a dele. Minha pulsação disparou quando ele a apertou. Seu toque era como uma onda de eletricidade, que subiu pelo meu braço e arrepiou os pelos da minha nuca. Por um momento ele permaneceu imóvel, com uma ruga preenchendo o espaço entre suas sobrancelhas absurdamente bem desenhadas.

“Está tudo bem?”

Sua voz era suave e refinada, com um toque de rouquidão que fez meu estômago gelar. Era uma evocação ao sexo. Ao que o sexo tinha de melhor. Por um momento cheguei a pensar que poderia ter um orgasmo só de ouvi-lo falar.

Meus lábios estavam ressecados, então passei a língua por eles antes de responder: “Sim”.

Ele se levantou com uma notável economia de gestos, puxando-me junto para cima. Continuamos nos encarando, porque eu não conseguia olhar para outra coisa. Ele era mais jovem do que imaginei a princípio. Meu palpite seria menos de trinta, mas seus olhos pareciam muito mais experientes. Implacavelmente inteligentes e afiados.

Era como se eu estivesse sendo atraída para ele, como se houvesse uma corda em torno da minha cintura me arrastando de forma lenta mas inexorável em sua direção.

Piscando para despertar dessa espécie de delírio, eu o soltei. Ele não era apenas lindo, era... fascinante. O tipo de cara que faz uma mulher querer abrir sua camisa num único puxão e ver os botões irem abaixo junto com as inibições. Olhei para seu terno civilizado, requintado e absurdamente caro e só consegui pensar em uma trepada violenta, de rasgar os lençóis.

Ele se abaixou para apanhar o crachá que eu nem percebi que havia derrubado, libertando-me de seu olhar irresistível. Meu cérebro lutava para voltar a funcionar normalmente.

Fiquei irritada por me sentir tão desconcertada enquanto ele parecia tranquilo e controlado. E por quê? Porque eu estava deslumbrada, ora essa.

Ele me olhou lá de baixo, e essa posição — ele praticamente ajoelhado na minha frente — fez com que eu quase perdesse o equilíbrio novamente. Enquanto se levantava, seus olhos permaneciam fixos nos meus.

“Tem certeza de que está tudo bem? É melhor você sentar um pouco.”

Senti meu rosto ficar vermelho. Que maravilha parecer insegura e estabanada diante do homem mais confiante e elegante que já conheci.

“Eu só perdi o equilíbrio. Está tudo bem.”

Ao desviar os olhos, vi a mulher que havia derrubado no chão o dinheiro. Ela agradeceu ao segurança que a ajudou e então se virou para falar comigo, desculpando-se enfaticamente. Virei para ela e estendi a mão com o punhado de moedas que havia pego, mas seu olhar tinha se voltado para o deus de terno, e ela imediatamente se esqueceu de mim. Depois de um tempo, simplesmente fui até ela e despejei as moedas dentro da bolsa. Então arrisquei outra olhada e o encontrei voltado na minha direção, ignorando a moça e seus agradecimentos. Para ele. Não para mim, a pessoa que de fato havia ajudado.

Levantei minha voz acima da dela. “Você poderia devolver meu crachá, por favor?”

Ele estendeu a mão para me devolver. Apesar de eu ter me esforçado para pegá-lo de volta sem nenhum contato físico, seus dedos resvalaram nos meus, fazendo com que aquela sensação de eletricidade voltasse a circular pelo meu corpo.

“Obrigada”, murmurei antes de passar por ele e tomar o caminho da rua pela porta giratória. Parei um pouco na calçada, inspirando profundamente o ar de Nova York, que recendia a um milhão de coisas, algumas boas, outras tóxicas.

Havia um Bentley estacionado na frente do prédio, e eu observei meu reflexo nas janelas escuras e impecavelmente limpas daquele carrão. Eu estava vermelha, e meus olhos verdes pareciam especialmente radiantes. Aquele rosto era familiar para mim — era o que eu via no espelho do banheiro antes de ir para a cama com um homem. Era o meu olhar de estou-pronta-pra-foder, e não deveria estar estampado na minha cara naquele momento, de jeito nenhum.

Meu Deus. Controle-se.

Cinco minutos com o sr. Moreno Perigoso e eu já estava me sentido dominada por um impulso impaciente e inquietante. Era capaz de sentir seu toque, e um desejo inexplicável de voltar para o lugar onde ele estava. Eu poderia argumentar que ainda não havia terminado o que tinha ido fazer no Crossfire, mas sabia que ia me arrepender depois. Quantas vezes eu ainda precisaria fazer papel de idiota em um único dia?

“Já chega”, disse baixinho para mim mesma. “Hora de ir.”

As buzinas ressoavam em meio à disputa milimétrica de espaço pelos táxis, interrompidas pelo guinchar dos freios diante de pedestres corajosos o bastante para pisar no cruzamento segundos antes de o sinal fechar. Então começava a gritaria, uma explosão de insultos e gestos que na verdade não era motivada por nenhum ódio real. Em poucos segundos, ambas as partes se esqueceriam de tais diálogos, que eram apenas mais uma forma de expressão do modo de vida da cidade.

Quando voltei a me misturar ao intenso tráfego de pedestres para ir à academia, minha boca se sentiu tentada a abrir um sorriso. Ah, Nova York, pensei, sentindo-me à vontade novamente, você é demais.

Minha ideia era fazer o aquecimento na esteira e matar o restante do tempo me exercitando em alguns aparelhos, mas, quando vi que a aula de kickboxing para iniciantes estava para começar, decidi me juntar aos alunos que aguardavam. Quando a aula terminou, senti que havia retomado o controle sobre mim. Meus músculos tremiam, e eu me sentia cansada na medida certa, com a certeza de que dormiria como uma pedra quando me deitasse.

“Você foi muito bem.”

Limpei o suor do rosto com uma toalha e olhei para o jovem que havia falado comigo. Magro, embora com uma musculatura bem definida, ele tinha olhos castanhos bem vivos e uma pele morena impecável, café com leite. Seus cílios eram grossos e longos, de fazer inveja, mas os cabelos eram raspados bem rente.

“Obrigada.” Minha boca se contorceu num lamento. “Está na cara que é a minha primeira vez, né?”

Ele sorriu e estendeu a mão. “Parker Smith.”

“Eva Tramell.”

“Você leva jeito, Eva. Com um pouco mais de treino ninguém vai ter coragem de encarar você. Em uma cidade como Nova York, saber se defender é fundamental.” Ele apontou para quadro de cortiça pendurado na parede. Estava coberto de folhetos e cartões de visita. Apanhou uma folha de um bloco de papel fluorescente e ofereceu para mim. “Já ouviu falar em krav maga?”

“Vi em um filme da Jennifer Lopez.”

“Sou professor e adoraria ensinar você. Aí tem meu site e o telefone da minha academia.”

Gostei da abordagem dele. Foi bem direta, assim como seu olhar, e o sorriso era autêntico. Imaginei que estivesse querendo me paquerar, mas, se era essa a intenção, ele disfarçou bem o suficiente para me deixar em dúvida.

Parker cruzou os braços, exibindo seus bíceps bem delineados. Ele vestia uma camiseta preta sem mangas e uma bermuda comprida. Seu tênis tinha a aparência surrada dos calçados realmente confortáveis, e era possível ver as tatuagens tribais que se estendiam até pouco abaixo de seu pescoço. “No site tem todos os horários. Você pode assistir a uma aula, só pra ver se gosta.”

“Vou pensar a respeito, pode deixar.”

“Muito bem.” Ele estendeu a mão e me cumprimentou com firmeza e confiança. “Espero ver você de novo.”

Um cheiro maravilhoso se espalhava pelo apartamento quando cheguei, e a voz de Adele saía cheia de emoção das caixas de som, cantando “Chasing Pavements”. Olhei para o outro lado da sala integrada com a cozinha e vi Cary balançando ao som da música enquanto mexia alguma coisa perto dele. Havia uma garrafa de vinho no balcão e duas taças de vinho tinto, uma delas pela metade.

“Ei”, eu chamei ao me aproximar. “O que você está fazendo aí? Dá tempo de tomar banho primeiro?”

Ele serviu o vinho na outra taça e a arrastou pelo balcão até mim com movimentos seguros e elegantes. Olhando para Cary, ninguém seria capaz de dizer que ele passou a infância entre temporadas com a mãe viciada em drogas e lares adotivos, e a adolescência em reformatórios juvenis e centros de reabilitação estatais. “Macarrão à bolonhesa. E deixe o banho para mais tarde, já está pronto. Se divertiu bastante?”

“Lá na academia, sim.” Puxei um dos banquinhos de madeira do balcão e me sentei. Contei a ele sobre a aula de kickboxing e sobre Parker Smith. “Quer ir comigo?”

“Krav maga?”, Cary balançou a cabeça. “Isso não é moleza, não. Eu ficaria cheio de hematomas e acabaria perdendo alguns trabalhos. Mas posso ir com você até lá, pro caso do sujeito ser um maníaco.”

Fiquei calada enquanto ele despejava o macarrão no escorredor. “Um maníaco?”

Meu pai havia me ensinado muito sobre os homens — por isso eu sabia que o deus de terno era encrenca certa. As pessoas costumam sorrir quando ajudam alguém, como uma forma de criar uma ligação momentânea para quebrar o gelo.

Por outro lado, eu também não tinha sorrido para ele.

“Gata”, disse Cary, tirando as tigelas da prateleira, “você é uma mulher sexy e deslumbrante. Duvido da masculinidade de qualquer homem que resista à tentação de chamar você pra sair assim que tem a chance.”

Agradeci franzindo o nariz para ele.

Ele me serviu uma tigela contendo pequenos tubos de macarrão cobertos com um molho ralo de tomate com pedaços de carne moída empelotada e ervilha.

“Você não para de pensar em alguma coisa. O que é?”

Hum... Peguei o cabo da colher enfiada na tigela e decidi não fazer nenhum comentário sobre a comida. “Acho que hoje vi o homem mais lindo do planeta. Talvez o mais lindo da história do planeta.”

“Ah, é? Pensei que fosse eu. Conte mais.”

Cary preferiu ficar do outro lado do balcão e comer em pé.

Esperei que ele desse algumas colheradas na gororoba antes de criar coragem e experimentar. “Não tem muito mais pra contar, na verdade. Caí de bunda no saguão do Crossfire e ele me deu uma mão.”

“Alto ou baixo? Loiro ou moreno? Forte ou magro? E a cor dos olhos?”

Empurrei minha segunda colherada goela abaixo com um gole de vinho. “Alto. Moreno. Magro e forte. Olhos azuis. Podre de rico, a julgar pelas roupas e pelos acessórios. E incrivelmente sexy. Você sabe como é: alguns caras bonitos não mexem com os hormônios da gente, enquanto outros não tão bonitos têm um sex appeal absurdo. Esse cara tinha as duas coisas.”

Senti um frio na barriga como quando o Moreno Perigoso tocou em mim. Lembrei do seu rosto com uma clareza cristalina. Deveria ser proibido um homem ser tão estonteante. Eu ainda estava me recuperando da fritura que ele havia provocado nos meus neurônios.

Cary apoiou o cotovelo no balcão e se inclinou para mim, com sua franja comprida cobrindo um de seus olhos verdes e faiscantes. “E o que aconteceu depois que ele ajudou você a levantar?”

Encolhi os ombros. “Nada.”

“Nada?”

“Fui embora.”

“Quê? Não rolou nem uma paquera?”

Comi mais uma garfada. Na verdade, a comida não estava ruim. Ou então era eu que estava morrendo de fome. “Ele não era do tipo que dá pra paquerar, Cary.”

“Não existe essa história de gente que não dá pra paquerar. Até as pessoas casadas e felizes gostam de uma paquera inofensiva de vez em quando.”

“Esse cara não tinha nada de inofensivo”, eu disse num tom seco.

“Ah, sei.” Cary balançou a cabeça, mostrando que tinha entendido. “Esses são divertidos, mas é melhor não se envolver com eles.”

Cary obviamente sabia do que estava falando; homens e mulheres de todas as idades se atiravam a seus pés. Ainda assim, de alguma forma ele conseguia fazer sempre a escolha errada. Já tinha sido traído, perseguido obsessivamente, aturado ameaças de suicídio... O que quer que pudesse acontecer, já tinha acontecido com ele.

“Não vejo como eu poderia me divertir com esse cara”, continuei. “Ele era intenso demais. Mesmo assim, aposto que ele deve ser incrível na cama, com toda aquela intensidade.”

“É assim que se fala. Esqueça o cara real. Use o rosto dele nas suas fantasias e faça com que nelas ele seja perfeito.”

Preferia mantê-lo longe dos meus pensamentos de toda e qualquer maneira, então mudei de assunto. “Você tem algum trabalho amanhã?”

“Claro.” Cary me passou os detalhes de sua programação para o dia seguinte, mencionando anúncios para uma marca de jeans, produtos de bronzeamento, cuecas e colônias.

Esqueci de todo o resto e me concentrei nele e no seu sucesso cada vez maior. A demanda por Cary Taylor crescia diariamente, e ele estava ganhando entre fotógrafos e clientes uma reputação de profissionalismo e dedicação. Eu estava felicíssima por ele, e muito orgulhosa. Cary havia conquistado muito, depois de ter sofrido um bocado.

Apenas depois do jantar percebi duas enormes caixas de presente encostadas no sofá.

“O que é isso aí?”

“Isso aí”, Cary respondeu, acompanhando-me até a sala, “é o máximo.”

Percebi imediatamente que aquilo era coisa de Stanton e minha mãe. O dinheiro era algo de que minha mãe precisava para ser feliz, e para minha sorte Stanton, o marido número três, era capaz de suprir essa necessidade e muitas outras também. Muitas vezes desejei que isso a fizesse sossegar, mas minha mãe nunca aceitou bem o fato de eu ter outro tipo de relação com o dinheiro.

“O que foi agora?”

Cary jogou seu braço por cima dos meus ombros — algo facílimo para ele, que era pelo menos dez centímetros mais alto que eu. “Não seja ingrata. O cara ama sua mãe. Adora mimá-la, e ela adora mimar você. Não importa o que você pense, ele não faz essas coisas por você. Stanton faz tudo isso por ela.”

Concordei soltando um suspiro. “O que temos aí?”

“Roupas chiques para o jantar beneficente de sábado. Um vestido arrasador para você e um smoking Brioni pra mim, porque comprar presentes pra mim é o que ele faz por você. O fato de eu estar aqui pra ouvir você reclamar da vida melhora um pouco esse seu mau humor.”

“Isso é verdade. Ainda bem que ele sabe disso.”

“Claro que sabe. Stanton não seria um zilionário se não soubesse de tudo.” Cary me pegou pela mão e me arrastou até lá. “Então. Dá só uma olhada.”

Na manhã seguinte, às dez para as nove, atravessei a porta giratória do saguão do Crossfire. Para causar uma boa impressão no meu primeiro dia, tinha ido vestida com um tubinho básico e sapatos pretos de salto alto para combinar, que substituíram meus tênis de caminhada durante a subida do elevador. Meus cabelos loiros estavam presos em um coque muito bem-feito, que parecia um número oito estilizado, uma cortesia de Cary. Eu não tinha o menor jeito para penteados, mas ele era capaz de criar obras-primas glamorosas. Estava usando também o colar de pérolas miúdas que meu pai havia me dado como presente de formatura e um Rolex, oferecimento de Stanton e minha mãe.

Até cheguei a pensar que estava me preocupando demais com a aparência, mas assim que pisei no saguão lembrei que tinha me esborrachado naquele chão usando roupa de ginástica e fiquei agradecida por não me parecer em nada com aquela garota estabanada. Os dois seguranças não pareceram ter me reconhecido quando mostrei o crachá a caminho das catracas.

Vinte andares acima, lá estava eu no hall de entrada da Waters Field & Leaman. Diante de mim havia uma parede de vidro à prova de balas, emoldurando a porta dupla que levava à recepção. A recepcionista, sentada a uma mesa em formato de lua crescente, viu meu crachá através do vidro. Ela acionou o botão para destravar a porta, e eu o guardei.

“Olá, Megumi”, eu cumprimentei enquanto entrava, admirando sua blusa vermelha. Ela era mestiça, de origem asiática, com certeza, e muito bonita. Seus cabelos eram escuros, grossos e bem cortados, mais curtos atrás e compridos e afiados na frente. Seus olhinhos puxados eram castanhos e calorosos, e seus lábios, fartos e naturalmente rosados.

“Eva, oi. Mark ainda não chegou, mas você sabe aonde ir, certo?”

“Com certeza.” Despedindo-me com um aceno, entrei pelo corredor à esquerda da recepção e, no final, virei de novo à esquerda para chegar a um antigo espaço aberto que havia sido subdividido em baias. Um deles era o meu, e fui direto até ele.

Guardei minha bolsa e a sacola com os tênis de caminhada na última gaveta da minha mesa de metal e liguei o computador. Eu tinha levado também algumas coisas para personalizar meu espaço. Uma delas era uma montagem emoldurada de três fotos — eu e Cary em Coronado Beach, minha mãe e Stanton no iate dele na Riviera Francesa e meu pai fardado em uma viatura de polícia de Oceanside, Califórnia. Outra era um arranjo de flores bem colorido que Cary havia me dado como presente de primeiro dia de trabalho. Coloquei um ao lado do outro e me recostei na cadeira para visualizar o conjunto.

“Bom dia, Eva.”

Fiquei em pé imediatamente para falar com meu chefe. “Bom dia, senhor Garrity.”

“Pode me chamar de Mark, por favor. Venha comigo até minha sala.”

Eu o segui pelo corredor estreito, mais uma vez pensando em como era agradável olhar para meu novo chefe, com sua pele escura e radiante, seu cavanhaque bem aparado e seus olhos castanhos risonhos. Mark tinha um maxilar anguloso e um sorriso charmosamente desalinhado. Era magro e elegante, e sua postura segura inspirava confiança e respeito.

Ele apontou para uma das duas cadeiras posicionadas diante de sua mesa de vidro com estrutura cromada e esperou que eu me sentasse para se ajeitar em sua cadeira. Contra o pano de fundo dos arranha-céus da cidade, Mark parecia bem-sucedido e poderoso. Na verdade, ele era apenas um gerente de contas júnior, e seu escritório parecia um armário em comparação aos ocupados por diretores e demais executivos, mas ainda assim a vista era impressionante.

Ele se recostou e sorriu. “Já está tudo ajeitado no novo apartamento?”

Fiquei surpresa por ele ter se lembrado — positivamente surpresa. Eu o conheci quando fiz minha segunda entrevista para o emprego e gostei dele logo de cara.

“Na medida do possível”, respondi. “Ainda tem algumas caixas espalhadas aqui e ali.”

“Você veio de San Diego, não é? Uma bela cidade, mas muito diferente de Nova York. Está sentindo falta das palmeiras?”

“Estou sentindo falta do ar mais seco. É difícil se acostumar com a umidade daqui.”

“Espere só o verão começar.” Ele sorriu. “Então... é seu primeiro dia, e você é minha primeira assistente, o que significa que a gente vai ter que trabalhar à base de tentativa e erro. Não estou acostumado a delegar tarefas, mas tenho certeza de que logo pego o jeito.”

Eu me senti instantaneamente à vontade. “Mal posso esperar para receber tarefas.”

“Ter você por aqui é um passo importante pra mim, Eva. Quero que seja feliz trabalhando aqui. Você toma café?”

“O café está na base da minha pirâmide alimentar.”

“Ah, uma assistente que gosta das mesmas coisas que eu.” Seu sorriso se alargou. “Não vou pedir pra você servir café pra mim, mas não me incomodaria se me ajudasse a aprender a mexer na cafeteira nova que instalaram na copa.”

Retribuí o sorriso. “Sem problemas.”

“Seria uma decepção muito grande se eu não tivesse nada pra você?” Ele coçou a nuca, meio sem graça. “Que tal a gente dar uma olhada nas contas em que estou trabalhado pra ver o que podemos fazer?”

O restante do dia passou num piscar de olhos. Mark conversou com dois de seus clientes e teve uma longa reunião com a equipe de criação para conceber ideias para a campanha de uma rede de escolas de ensino profissionalizante. Foi fascinante ver pessoalmente como os diversos departamentos se alternavam para levar uma campanha da teoria à prática. Eu poderia ter ficado até mais tarde para entender melhor o funcionamento dos escritórios, mas meu telefone tocou às dez para as cinco.

“Escritório de Mark Garrity. Eva Tramell falando.”

“Saia logo daí pra gente ir beber tudo aquilo que você não quis ontem.”

O tom imperativo fingido de Cary me fez dar risada. “Tudo bem, tudo bem. Estou saindo.”

Desliguei o computador e saí. Quando cheguei aos elevadores, saquei o celular e digitei uma mensagem de “Já estou a caminho” para ele. Uma campainha soou, indicando qual dos elevadores ia parar no meu andar. Posicionei-me diante dele e voltei minha atenção ao envio da mensagem. Quando a porta se abriu, dei um passo à frente. Tirei os olhos da tela para ver aonde ia e dei de cara com um par de olhos azuis. Prendi a respiração.

O deus do sexo era a única pessoa do elevador.

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